Hoje minha mãe completa 60 anos. Deveríamos ter feito uma festa, uma grande comemoração, mas acabou não acontecendo nada disso. Talvez pela data do aniversário ou talvez pelo espírito de minha mãe que acha que completar 60 é tão importante quanto completar 59. Concordo com ela nesse ponto.
De qualquer forma, ela merecia uma festa de arromba por ser uma mulher incrível, uma pessoa sensacional e uma mãe exemplar.
Nestes 28 anos e meio em que fui sua filha aprendi uma coisa ou outra com ela. Resolvi colocar algumas no papel para que ela perceba que nem tudo foi em vão:
– A mesa de jantar é um lugar sagrado, aonde não se fala palavrão, briga ou grita.
– Não se deve fazer refeições vendo televisão e, sempre que possível, reúna a família para jantar e/ou almoçar;
-“O de baixo prende em cima e o de cima prende embaixo” – ainda não sou uma grande fã de arrumar a cama, mas esse conselho é sempre útil;
– E por falar em arrumar a cama, uma cama arrumada dá um ar de organização para qualquer quarto (pelo menos é o que ela diz);
– Sempre deixe o pijama que se está usando embaixo do travesseiro, assim não sujará dois pijamas ao mesmo tempo;
– “Eu educo, a vida pune.” Não importa o quão doloroso tenha sido para ela ter que dizer não, impedir algumas coisas ou lidar com nossa revolta adolescente, ela nunca deixou de fazê-lo;
– “Não estou concorrendo a Miss Simpatia para ficar sorrindo para todo mundo”. Para sentir-se bem não é preciso ficar sorrindo todo tempo ou forçando a alegria. A cara séria, a calma, o descanso também podem ser muito alegres.
_ “Pode Parar! Pode parar, que aqui ninguém é escravo de ninguém!”. Quando cada um faz a sua parte, o trabalho fica menos penoso para todo mundo. A solidariedade, o senso de coletividade, a ideia de que somos todos responsáveis pelo lugar aonde estamos, eu também aprendi isso com ela.
– “Quem muito se abaixa, o culho aparece.” Não importa a situação, tem coisas que não podem, não devem e não são negociáveis. É preciso força e coragem para traçar os limites e não se abaixar diante das situações que a vida nos apresenta.
– Quando for arrumar a cozinha, primeiro organize tudo e só então comece a lavar a louça – o trabalho ficará muito mais fácil depois que o caos estiver organizado;
– É possível ser uma pessoa religiosa e tolerante ao mesmo tempo. Ter uma religião não significa impô-la aos demais. Muito pelo contrário, uma pessoa verdadeiramente religiosa entende as diferenças, respeita as crenças alheias e não deixa de questionar suas próprias convicções.
-“Dar aula é que nem cachaça, depois que pega o gosto pela coisa, não tem mais como largar.” Com ela aprendi o prazer de ensinar, de transmitir o conhecimento e pude acompanhar de perto o quão penosa, desgastante e pouco compensadora essa profissão se tornou.
– “Uma carta sem endereço nunca chega a seu destino.” É importante traçar metas, ter planos, objetivos. Não importa que eles mudem ao longo do caminho, mas se vagar sem rumo por muito tempo, corre-se o risco de não chegar a lugar nenhum.
– É preciso ver além do próprio umbigo. Quando se sentir a pessoa mais azarada do mundo, quando sentir que tudo está dando errado, quando a dor for grande demais, pare por um minuto e olhe a sua volta: tirar o foco de si mesmo pode tornar tudo um pouco melhor.
– Não se deve desperdiçar comida. O guizado de hoje, vira a panqueca de amanhã e assim por diante. O desperdício deve ser evitado. É uma questão de economia familiar e justiça social.
– Gentileza, educação e boas maneiras não são diferenciais, são o básico e devem ser usados sempre – com exceção dos momentos em que usá-los significa fazer aparecer o culho.
– Se resolver dizer pra ela que vai viajar para algum lugar ou está pensando em mudar de cidade, ela SEMPRE terá uma história trágica para contar sobre o primo/filho/irmão de uma de suas amigas que ocorreu JUSTAMENTE no local para onde você está planejando se mudar. Nestas horas é melhor só sorrir e concordar, afirmando que isso certamente não acontecerá com você;
-Não importa o quão fantástico seja o mundo digital, NADA supera a sensação de receber uma carta escrita a mão. Saber que a pessoa pensou em você e usou seu tempo para escrever uma carta ou recortar matérias de jornal para te mandar vale muito mais do que receber a notícia no mesmo instante pelo computador. As máquinas jamais superarão o calor humano e a pessoalidade de uma carta escrita por quem amamos.
– Leia e ensine seus filhos a ler. Aprendi com minha mãe bibliotecária que a leitura, quando estimulada desde cedo, vira um prazer e não uma obrigação. Todo natal, desde que me lembro por gente, minha mãe presenteia eu e meu irmão com um livro. Desde que me lembro por gente, amo os livros.
– Estudar é uma questão de hábito. Quando se aprende a estudar, isso já não é um fardo, uma obrigação ou algo penoso. Estudar se torna apenas mais uma das atividades diárias.
– Nada como um bom e velho “ensopadinho de língua”. Falar da vida alheia e de todos os seus acontecimentos é sim uma grande diversão.
– “Dois irmãozinhos não podem brigar, dois irmãozinhos só podem se abraçar.” Cresci ouvindo essa musiquinha. Hoje meu irmão é meu melhor amigo e tenho certeza que grande parte dessa amizade se deve a forma como fomos criados.
– “Ame ao outro como a si mesmo.” Com ela aprendi que essa frase tão clichê não é apenas um ensinamento para que amemos ao próximo, mas também para que amemos a nós mesmos.
– Faça o bem, mas proteja-se do mal. É importante se proteger das pessoas, situações e daquelas coisas que nos fazem mal. Se afastar daquilo que nos prejudica não é uma vergonha ou covardia, mas uma obrigação.
Poderia escrever um livro sobre tudo o que aprendi com ela. Aprendi que amar é aceitar, dividir, apoiar, punir, educar. Com ela aprendi que não importa pra onde a vida me leve, sempre tenho pra onde voltar.
Quem sabe ano que vem não organizamos a festa de arromba que ela merece, mesmo porque os 61 são tão importantes quanto os 60.