O CONTO E O CAFÉ

Três da manhã e não conseguia dormir. O sono que até meses atrás havia sido um de seus mais fiéis companheiros havia decidido sair de cena justo agora quando se fazia mais necessário. As coisas finalmente pareciam entrar nos eixos, pareciam estar em ordem, tudo parecia mais tranquilo agora que alguns meses se passaram, mas o sono não vinha.

Três meses de um longo inverno. Três meses de vazio, de nada, de escuridão, de noites intermináveis. Durante aquele tempo, tinha certeza que poderia dormir para sempre e, por mais de uma vez, considerou a hipótese de que talvez fosse melhor que dormisse mesmo. Acordar nunca fora tão difícil.

Diziam-lhe que tudo ia melhorar, que o tempo curava, que bastava levantar da cama, que bastava fazer o primeiro movimento, que bastava criar coragem para enfrentar o mundo e aquele breu iria desfazer-se aos poucos. Mas ninguém sabia de verdade.

Ninguém sentia aquela dor que parecia consumir todas as fibras de seu corpo, que dominava todos os segundos de seu pensamento, que sobrepujava todo e qualquer resquício de sua alma. Não entendiam que ele escolhera a escuridão, escolhera o vazio e as noites sem fim, porque ao dormir não sentia dor. Dormindo estava anestesiado, aliviado, seguro e a salvo de si mesmo. Preferia dormir.

Mas não podia dormir para sempre, sabia que uma hora teria que levantar e, de tanta insistência, de tanto pedirem, de tanto falarem, finalmente acordou. E como doeu estar acordado. Olhava os dias frios pela janela e sabia que nem todos os casacos do mundo lhe protegeriam do gelo em que havia se transformado sua alma. Não sabia como aquecê-la. Então decidiu fazer o que há muito não fazia. Tomou uma taça de vinho, preparou sua xícara de café e voltou a escrever.

As primeiras palavras rasgaram de seu peito como uma bala ao avesso. Escreveu para aliviar a dor, mas quanto mais escrevia mais sentia e quanto mais sentia, mais deseja não mais sentir. Paradoxos de um coração enfermo. Não suportava mais escrever e sem escrever não poderia suportar. E foi então que tomou a decisão: iria mata-la.

Não fisicamente, pois jamais seria capaz – ou pelo menos gostava de pensar assim. A mataria de dentro de si, assassinaria toda e qualquer lembrança dela que ainda rondasse seus pensamentos. Livrou-se dos cheiros, dos gostos e de todas as partes que ainda pertenciam àquela que o havia deixado. A morte como única solução. Decidira matar aquilo que há tempos lhe matava.

A tarefa não foi fácil, mas nada havia sido desde aquela triste tarde de março em que se viu sozinho pela primeira vez em muito tempo. Dedicou-se, decidiu-se e tanto fez que conseguiu. Tirou de dentro de si o pedaço que era dela. E por um breve, muito breve, momento acreditou que estava curado, que tudo voltara ao normal e que o curso da vida, essa que nunca para, seguiria finalmente o seu rumo. Mas não contava com a insônia.

A noite infinita se transformara em dias intermináveis. Tentava dormir e não conseguia. E agora estava ali, mais uma quente noite de verão em que acendia seu cigarro, tomava uma taça de vinho e olhava pela mesma janela pela qual tantas vezes viu a vida passar. O calor que fazia lá fora contrastava com o frio de seu café amargo, mas explicava o suor de sua testa. Não conseguia dormir.

Tentou por algumas vezes ler livros novos e velhos conhecidos, mas não passava das primeiras páginas. Perdera o interesse pela literatura? Esperava que não. Pensou em voltar a escrever, a fazer a única coisa que sabia, a colocar em palavras aquilo que sentia, mas já não tinha nada a dizer. Lhe faltavam as palavras, o sentido, a vontade. O breu virara um branco em sua mente.

O sono não vinha, as palavras não vinham, nem ela vinha mais. E durante uma das tantas longas madrugadas de verão, entre um café frio, uma taça de vinho e muitos cigarros, perguntou-se se ao mata-la, não teria matado justamente a parte de sua alma que sabia sentir.